FOREST BOT – A TESLA DO BRASIL
A história do problema de produtividade que originou uma “Máquina de plantar Florestas”
Recentemente a Forest Bot do Instagram postou a foto de uma pilha de livros sobre temas relacionados à mecânica de materiais, mecânica de máquinas agrícolas, processo produtivo e temas relacionados. Até aí, tudo bem: trata-se de uma pilha de livros sobre o tema em uma divulgação sobre uma máquina agrícola de altíssima tecnologia. O interessante desta história é que os principais responsáveis pela idealização do Forest Bot são programadores e não contam com uma formação formal em engenharia, mas que possuem um espírito criativo e empreendedor.
Marcello Guimarães, um dos idealizadores do Forest Bot, iniciou sua carreira em 1984 atuando como programador na Rede Ferroviária Federal e em 1986 começou a atuar em projetos pioneiros de inteligência artificial. Foi nessa época que Marcello e seu irmão Eduardo começaram a escrever o código de um software revolucionário, o Visual Kit5, lançado em 1993. “O Kit5 é um gerador de sistemas para o usuário leigo. O que significa isso? Significa que qualquer pessoa que tivesse um computador usando o Kit5 poderia desenvolver qualquer tipo de sistema para controle de banco de dados, sem saber absolutamente nada de programação” conta Marcello. Esse software oferece uma interface visual para ajudar o usuário a desenvolver um sistema que, no final, gera um programa executável que poderia até ser comercializado. O Kit5 foi um sucesso de vendas: quando começou a ser vendido no Shoptime passou os anos de 2002 a 2009 entre os 10 produtos mais vendidos e também foi vendido no canal Polishop. Marcello escreveu cerca de 11 livros sobre programação (todos com vendagem superior a 30 mil unidades) e continuou lançando versões do software até 2009 – ainda hoje, mais de 10 anos depois, é possível encontrar softwares produzidos com o Kit5 sendo vendidos e usados.
Marcello estudou em um colégio agrícola e por isso tinha o sonho de trabalhar com agricultura. Porém para um carioca, morador da Barra da Tijuca, esse parecia ser um sonho quase impossível de se concretizar. Quando conheceu sua esposa em 2012 e se mudaram para Roraima, Marcello viu a oportunidade perfeita de trabalhar no campo aliado à sua formação original. Em Roraima, iniciou um pequeno projeto com plantio de mogno africano (Khaya grandifoliola).
O mogno africano é uma árvore que vem ganhado muita importância comercial. Considerado uma madeira nobre, possui uma alta rentabilidade da madeira e um grande retorno financeiro ao produtor – em média, cada hectare plantado tem um incremento de 22 metros cúbicos de madeira por ano, com cortes de madeira feitos na planta com 6, 9 e 12 anos, com corte final aos 17 anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Florestas, sua madeira é amplamente utilizada na construção civil, em movelaria e em produção de artigos ornamentais, devido à qualidade de sua madeira de tom rosado e castanho-avermelhado.
Devido ao clima de Roraima, o mogno africano, lá cultivado, possui uma qualidade superior ao de outras regiões do país. Segundo Marcello, “Roraima tem um clima de monções, onde chove muito de maio até julho e, depois de setembro, tem uma seca muito grande. O mogno precisa dessa condição climática para se desenvolver. O mogno plantado no Brasil inteiro cresce, mas o melhor mogno africano, aquele que possui a maior qualidade de madeira é o plantado aqui, na região com clima semelhante à sua região de origem”.
Em parceria com seu irmão Eduardo, Marcello fundou a Mahogany Roraima – empresa de tecnologia de plantio e sistemas de gestão de florestas e viveiros. A Mahogany Roraima faz parte do grupo iPlantForest, junto com diversas empresas e iniciativas criadas pelos irmãos, entre elas a Aiquimist Corp. (empresa de inteligência artificial) e a Florestas Roraima S/A (empresa dedicada ao reflorestamento de áreas degradadas).
O projeto, que começou pequeno, tinha todas as condições necessárias para crescer: havia uma abundância de terras agricultáveis e não haviam concorrentes na região. O tino de desenvolvedor fez com que Marcello e Eduardo pesquisassem um método mais rápido e eficiente para toda a cadeia de produção do mogno, desde a produção de mudas em viveiro até o crescimento e desenvolvimento delas no campo.
Criamos um sistema que controla todo o ciclo de vida da floresta, desde a semente até o corte. Nós estudamos todos os sistemas que existiam no mercado e todos eram muito ruins. Então decidimos desenvolver o nosso próprio sistema. Fizemos um sistema que segue os pré-requisitos do FSC [Forest Stewardship Council, organização não governamental de certificação] e aí começamos um projeto muito bem organizado desde o princípio, com 14 hectares plantados. Depois, plantamos mais 44 hectares, depois mais 22 hectares, fazendo muita experimentação com espaçamentos diferentes técnicas de plantio diferentes
Marcello Guimarães
Além disso, o método próprio desenvolvido também proporcionava uma revolução dentro dos viveiros. O processo tradicional de quebra da dormência do mogno africano permitia uma germinação de 70% das sementes. O processo desenvolvido pela Mahogany consegue germinar impressionantes 98% das sementes, o que permitiu com que o grupo iPlantForest atingisse os 1560 hectares de mogno africano plantados atualmente.
Com o problema da produtividade dos viveiros resolvido, havia outro grande problema a ser combatido pelos irmãos, que é o barateamento dos custos de plantio. Era muito mais rentável fazer o reflorestamento de áreas degradadas do que investir em plantações do Mogno (embora o mogno africano seja altamente rentável). “O problema do reflorestamento mundial é que seria necessário plantar mais de 500 milhões de hectares. Tem muita gente falando da necessidade de se reflorestar, mas não se vê nenhum projeto significativo. Então, imagine plantar 500 milhões de hectares. Se nós criarmos técnicas que barateiem o reflorestamento, a gente pode entrar nesse mercado com mais força, porque o problema hoje em dia é que o reflorestamento é muito complexo e muito caro” pensava Marcello.
Aqui, é bom pontuar a dificuldade quase cultural de se fazer com que produtores brasileiros que precisem, perante a lei, reflorestar e recuperar áreas degradadas em suas propriedades o façam efetivamente. Estes produtores podem não possuir o conhecimento necessário para fazer o reflorestamento de suas áreas, ou não ter recursos para tal, ou, simplesmente, podem não querer reflorestar suas áreas para instalar pastagens, soja ou outras culturas de interesse comercial. Estes produtores não compreendem que a atividade florestal pode ser uma atividade lucrativa se bem-feita e que ele pode, pela escala, vender e escoar essa madeira para mercados consumidores.
Marcello e Eduardo começaram, então, uma extensa pesquisa para chegar a um sistema de plantio florestal extremamente eficiente. A partir dos estudos sobre os sistemas de plantio que já existiam, fizeram um extenso mapeamento das diversas falhas destes sistemas. Unindo o auxílio de diversos especialistas em silvicultura com a formação de desenvolvedor – que levava os irmãos a buscarem a máxima eficiência nos sistemas produtivos – Marcello e Eduardo criaram um método que permitia, manualmente, a plantação de 200 hectares em um dia de trabalho (das 7 da manhã às 5 da tarde), contando com apenas 35 trabalhadores.
Mesmo com uma metodologia extremamente produtiva e eficiente, a alta demanda por reflorestamento ainda não poderia ser completamente atendida. Foi aí que os irmãos Guimarães começaram a estudar as máquinas de plantio florestal disponíveis no mercado. Todas as máquinas estudadas por eles eram muito lentas e pouco eficientes para seus projetos. Iniciava-se ali mais um desafio: projetar uma máquina de plantio florestal que fosse mais rápida que as maquinas disponíveis no mercado e mais rápida que o método de plantio manual aplicado pela Mahogany. Após muitos anos de desenvolvimento, Marcello e Eduardo chegaram à máquina RCCM 3.0, que não contou com a participação de engenheiros no processo. A RCCM 3.0 foi concebida e criada integralmente pelos irmãos, que possuem uma incomparável vontade de aprender e uma pró-atividade incrível, tal como a postagem do Instagram indicava.
Eles chamaram a máquina de RCCM 3.0 que, traduzida do inglês, é a Máquina de Captura de Carbono Real. O nome é uma referência à CCM (Carbon Capture Machine) desenvolvida na Suíça, que é uma máquina que captura 900 toneladas de carbono por ano. “A partir de março de 2020, nós começamos a criar uma terceira máquina que é a versão 3.0 da RCCM, a Máquina de Captura de Carbono Real, porque ela planta árvores e não tem nenhuma máquina melhor para capturar carbono do que as árvores”, brinca Marcello.
Esta versão 3.0 tem um foco muito maior no reflorestamento e na capacidade de plantar múltiplas espécies. Segundo Marcello, “esse projeto foi mais um desafio técnico do que uma necessidade porque, quando se faz projetos de reflorestamento, usa-se uma espécie, 2, até 3 espécies para uma primeira forração da área degradada e depois dos animais, enquanto se alimentam de seus frutos, defecam outras sementes e vão criando uma floresta maior. Então, basicamente, se faz uma cobertura inicial e depois deixa a natureza terminar o processo”.
Mas eu queria ir além, queria criar uma máquina que me permitisse plantar quantas espécies eu quiser ao mesmo tempo e que ‘georeferenciasse’ essas espécies para que eu possa saber onde elas estão. Surgiu, então, a segunda parte do nosso projeto, o iPlantForest: nós identificamos áreas degradadas onde o dono da terra tem um passivo ambiental. A gente oferece uma solução de plantar o que ele precisa, fazendo o PRAD [Plano de Recuperação de Área Degradada]. Então, nós damos o crédito de reposição Florestal que essa Floresta vai gerar (que é uma obrigação quando o produtor desmata), nós cuidamos desse negócio para o produtor e depois nós vamos vender parte dessa madeira com plano de manejo florestal sustentável.
Marcello Guimarães
A máquina 3.0 ainda conta com um roteador GSM que permite que o usuário veja em tempo real, nas áreas que possuem cobertura de internet, como ela está fazendo o plantio e o usuário ainda pode assistir o processo da máquina plantando pela câmera acoplada embaixo dela.
Segundo Marcello, suas pesquisas foram melhorando a máquina até chegar na versão 3.0, que já é uma máquina bem avançada. Marcello e a Mahogany Roraima começaram a ser procurados por grandes empresas do setor de silvicultura, propondo a construção de uma máquina ainda mais sofisticada. “Os planos são que a versão 4.0 substitua 6 implementos agrícolas e otimize diversos processos da produção: ela substitui o trator com subsolador, os plantadores, o trator com pipa quando você planta com gel, o trator com pipa quando você planta com a água, o trator com pipa para irrigar a floresta (porque ela irriga na hora que ela planta), a equipe de controle de qualidade (porque ela usa um sistema nosso que filma o plantio e mostra, através do georeferenciamento, onde está muda e se ela foi plantada com qualidade, se ela está torta); ela fornece uma série de informações, inclusive o mapa com todas as plantas para que, a partir dessa primeira máquina, nós possamos desenvolver máquinas que façam o manejo da floresta de forma autônoma. Então ela é a ‘Tesla da floresta’”.
Além disso, a RCCM 4.0 também fará a irrigação e a adubação das árvores diretamente no pé, fará um controle de pragas direto em cada planta usando o georeferenciamento e a inteligência artificial, identificando e isolando as plantas e aplicando herbicidas diretamente sobre as plantas daninhas, além de poderem fazer até Inventário Florestal de maneira autônoma. A criação desta máquina abriu um novo universo de equipamentos que permitem automatizar todo o plantio e manejo florestal e de tornar o reflorestamento muito mais barato, muito mais simples e muito mais acessível. Segundo a piada interna contada por Marcello, ela será uma espécie de “McDonald’s de Floresta”.
Pensando no futuro, pessoas perguntam para Marcello porque ele não transforma o Forest Bot e as iniciativas de reflorestamento do grupo iPlantProject em uma franquia ou uma grande indústria. Segundo Marcello, os planos são, a partir da construção do protótipo da RCCM 4.0 e seu teste e validação, junto com as conversas com investidores, bancos e outros players do mercado, a criação de uma fábrica para a máquina: “(…) tenho certeza que vai dar tudo certo e faremos uma indústria que deve começar aqui em Roraima, já que aqui tem uma série de benefícios tributários”.
Marcello conta que esse modelo de negócios aplicado em Roraima pode ser replicado imediatamente em outros estados brasileiros. Além disso, Marcello já foi chamado para plantar florestas na Jamaica, África, Estados Unidos e Austrália; chamado para criar tecnologia para plantar florestas de bambu no Caribe; chamado para conceber um projeto de “florestamento” de desertos na Arábia Saudita; chamado para produzir máquinas para plantar muda pré-brotada de cana de açúcar, além de diversos outros projetos na área florestal.
Além de realizar o sonho de trabalhar no campo com agricultura, Marcello pode se orgulhar pela enorme contribuição com inovação e tecnologia ao Brasil e pela grande contribuição para a restauração ecológica. Sobre os próximos passos, Marcello diz “já pediram para levar a empresa para São Paulo. Nós temos um escritório em São Paulo e essas empresas com quem trabalhamos também tem escritório São Paulo. Mas eu prefiro morar aqui na fazenda, eu acho maravilhoso morar aqui no campo. Então eu vou continuar por aqui até o dia que alguém grande decida comprar a gente”.