Trabalhar ou não trabalhar em uma startup
É inquestionável o fascínio que as startups exercem nos profissionais. Atraídos por promessas de construção de um futuro melhor ou de ganhos financeiros exorbitantes em um curto espaço de tempo ou ainda, por esquemas de trabalhos, digamos, menos formais do que a maior parte da iniciativa privada, as pessoas têm procurado as startups como uma opção de trabalho e de realização.
Esse imaginário sobre o trabalho dentro destas pequenas empresas de rápido crescimento e de alto poder de inovação, nasceu sem dúvida, de ambientes como aquele criado pelo Google. Não são poucas as histórias sobre salas cheias de videogames, puffs para dormir a hora que quiser, quiosque de guloseimas e muito mais. As descrições lembram muito mais um parque de diversões do que uma empresa de fato. Por outro lado, há aqueles que buscam um maior espaço para sua liberdade criativa e de expressão, ambientes mais colaborativos e menos competitivos, e até mesmo com a esperança de se tornarem co-fundadores em algum momento da empresa, pelo reconhecimento dos seus pares internos pelas suas contribuições durante as fases de vale da morte e sua superação.
Entretanto, esquecem-se de contar a outra parte da história, sobre o que é trabalhar em uma startup e principalmente naquelas muito disruptivas e de extremos sucesso. Talvez não seja tão abundante as informações sobre as pessoas que deixaram muitas dessas corporações e voltaram para seus antigos modelos de trabalhos. Também não é comum encontrarmos relatos sobre os motivos pelos quais as pessoas deixaram esses, digamos, fascinantes locais de trabalho. Afinal, por quê alguém deixaria de trabalhar em uma empresa onde se pode jogar videogame e dormir a hora que quiser?
A parte que não foi contatada dessa história, é a de que essas startups em rápido crescimento e com aportes significativos de investimentos, possuem demandas de trabalho exorbitantes e que consomem uma quantidade de energia enorme. Além disso, a operação é de altíssimo risco, onde a grande maioria falha. Aqui cabe uma ressalva, de que quando falamos em Google, Facebook, Twitter ou Instagram, estamos falando do mínimo, do mínimo, do mínimo das startups que deram certo. Ao mesmo tempo que essas empresas surgiram, outras dezenas de milhares também surgiram. Essas bem sucedidas representam aquela mínima parcela do que deu certo. Nunca se fala muito sobre quem não deu certo e focamos apenas naquelas que foram absurdamente prodigiosas. Por isso mesmo, elas não deveriam ser tomadas como referências. Elas representam o máximo da excessão.
E então, trabalhar ou não trabalhar em uma startup? A seguir apresento algumas orientações básicas sobre essa opção de trabalho:
Salários: se o seu objetivo é buscar um salário altamente competitivo, definitivamente uma startup não é o seu destino. As startups operam frequentemente com salários bem abaixo do valor médio de mercado, o que se torna um grande desafio para a retenção dos talentos.
Participação societária [vesting]: as startups com pouco poder de barganha frente às grandes corporações, oferecem participação societária para colaboradores mais promissores. Essas participações podem variar muito em termos de porcentagem. Entretanto, tome muito cuidado ao aceitar esse tipo de oferta. Pergunte-se se de fato quer ser dono de uma empresa, pois sua entrada virá acompanhada de uma série de responsabilidades. Além disso, não faça nada de boca. Tenha tudo em contrato, assinado e reconhecido legalmente. Um dos grandes desafios legais é o cumprimento dos acordos de vesting, principalmente pelos requerentes não terem qualquer documento que prove o acordo.
Incubadora de Profissionais: sem dúvida nenhuma startups são verdadeiras incubadoras de profissionais. Se você ainda não entrou no mercado de trabalho, certamente uma startup pode ser a porta de entrada. Como relatei anteriormente os salários não são competitivos para o mercado, porém devido ao esquema de trabalho e os inúmeros desafios, a startup é certamente uma lapidadora de bons profissionais. Não é a toa que se tornam excelentes vitrines de profissionais para as grandes corporações. Infelizmente a parte mais cara do processo fica com a startup, que é a preparação do profissional recém ingressado no mercado de trabalho. Muitas startups viraram verdadeiros centros de formação. Vale a pena balancear o salário um pouco inferior, com a formação e a exposição que terá para o mercado de trabalho.
Ambiente de trabalho: equivocadamente muitas pessoas procuram startups com a ideia de que encontrarão o imaginárioGoogle a sua disposição. Pare para pensar – porque o Google oferece todas aquelas facilidades no ambiente de trabalho? Você já parou para pensar no nível de cobrança e no volume de entregas que as empresas desse nível exigem dos seus colaboradores? O ambiente de startups é bastante frenético e com uma carga absurda de trabalhos e desafios. Se você se vê fazendo somente aquilo que você sabe ou se especializou, certamente a startup não é um ambiente muito amigável. Você pode em um dia estar conversando com a pessoa mais importante do mundo e no dia seguinte limpando o banheiro da empresa. Você realmente precisa de muito desprendimento para estar dentro de uma startup.
A ilusão do C-level: uma das coisas mais divertidas em startups são as designações de cargos. É um monte de C para todo lado. Sempre que estou em uma startup fazendo trabalho de mentoria, sempre peço para que tomem cuidado com essas designações. Para ser um C-level, de fato, a trajetória é muito longa e não há atalhos. Recentemente, ouvi um depoimento de um profissional que estava fazendo uma entrevista para uma grande corporação. A pessoa estava inconformada pois o recrutador indicou que possivelmente ele estava mais alinhado para um quadro de sub-gerência e não de C-level. E isso é um fato! Não é incomum em uma startup você ter o papel de todos os Cs, mas lembre-se que normalmente você tem um único subordinado: você mesmo! Bem diferente de um C-level de fato, que pode coordenar de algumas dezenas até milhares de pessoas. Não há milagre no mundo profissional, só trabalho, trabalho e mais trabalho.
Horizontalidade: esse é um tema bem polêmico e onde vejo as pessoas cometerem os maiores equívocos pela escolha de uma startup como alvo de trabalho. Frequentemente vejo profissionais deixando suas empresas para irem trabalhar em startups com a ideia de que não terão um superior ou alguém lhes dando ordem. Não confunda horizontalidade com hierarquia. Startups são o ápice da hierarquização. Pense bem, você tem um, dois ou três fundadores, que colocaram todos seus recursos e esforços no negócio, correm todo o risco e sofrem dia e noite para que o negócio possa dar certo. Muitas vezes deixam suas próprias vidas de lado por um sonho. A startup é na vida real o que a brincadeira de criança de siga o mestre representa. Se você tem problemas com liderança e de seguir os ideais de outra pessoa, terá sérios conflitos em uma startup. Isso não quer dizer que o ambiente não seja mais horizontal, de forma alguma. Até por trabalhar com poucas pessoas e entender que elas estão muito alinhadas com seus próprios ideais, o empreendedor tem uma relação muito mais próxima e direta com seus liderados.
Espírito Empreendedor: essa é a continuidade do tópico anterior. Pois se você tem espírito empreendedor, mas não é um empreendedor nato, a startup é o seu lugar de trabalho. Vejo muitos programas incentivando a todos serem empreendedores. No início do meu trabalho aprendi com um grande amigo, o Sergio Marcus Barbosa – Gerente Executivo da ESALQTec, que deveríamos formar um espírito empreendedor nos jovens profissionais, pois as startups e os empreendedores natos precisam de pessoas que os entendam e queiram se arriscar junto com eles. Agora lembre-se, é como a brincadeira de siga o mestre que citei anteriormente, pois foi o empreendedor nato ou fundador da empresa que colocou tudo em risco em primeiro lugar. Exceto se você abrir mão de tudo e colocar um bom volume dos seus próprios bens na empresa, é que estará em condições de estar na posição de mestre. Caso contrário aprenda humildemente seguir quem está de fato correndo os riscos, sendo leal e fiel.
Empreendedorismo de Palco: esse é o erro mais grosseiro pela escolha de se trabalhar em uma startup. Normalmente o empreendedor de palco é cheio de convicções e certezas. É sempre crítico e acha que todo mundo está errado, exceto ele. Muitas vezes vem convencido de que a iniciativa privada não lhe ofereceu um ambiente justo para que atingisse o C-level e que a solução é ir para uma startup onde poderá falar livremente o que pensa e implementar o que acredita ser a chave do sucesso; mas que nunca foi testada anteriormente e reside apenas no seu imaginário. Muitas vezes os empreendedores de palco vêm de programas de treinamentos ou eventos ou ainda de caríssimos cursos que os fazem acreditar que serão os próximos Elon Musk. Obviamente que não há nada de errado em querer ser o próximo Elon Musk. E ao contrário do que possam imaginar, incentivo veementemente essas pessoas seguirem suas trajetórias de sucesso. Curiosamente o que acontece, é que esses futuros super-stars do empreendedorismo não querem arriscar seus bens materiais, nem o conforto de seus lares e muito menos seus fins de semanas e viagens de lazer. Porém se forem realmente empreendedores de alto impacto, recomendo fortemente que abram suas próprias, empresas. Afinal com tantas qualificações e convicções, por quê ser empregado de alguém?
Mudar o mundo: muitas vezes quando questiono candidatos a vagas de emprego em startup esse é um dos argumentos mais comuns para a escolha. Curiosamente e quase sem exceção essas pessoas nunca estiveram de fato envolvidas com atividades que indiquem sua vontade de mudar o mundo. Normalmente querem execrar seu sentimento de culpa por não estarem fazendo nada e surfarem na vontade de empreendedores. Agora, se você já esteve engajado em iniciativas que realmente fizeram a diferença em micro-ambientes, talvez seja a hora de buscar o próximo nível e a startup é seu lugar. Fazer a diferença em micro-ambientes pode ser, ter tomado a frente em ações solidárias, criação de arrecadações de donativos, organizações de pequenas feiras, ajudas em lares de idosos ou crianças e muitas outras ações civis. Se você esteve realmente ativo nesse tipo de liderança, é muito provável que se dará muito bem em uma startup.
É uma startup mesmo: se você se enquadrou no perfil para trabalhar em uma startup esse é o ponto final das minhas considerações. Chegou a hora de você se perguntar se de fato está entrando em uma startup. Após analisar quase mil empresas iniciantes, posso lhe garantir que a grande maioria daquelas que se intitulam como startups, passam bem longe disso. Entende-se por startups empresas com alto e rápido poder de crescimento, com produtos disruptivos e super atraentes, que são rapidamente compreendidos e consumidos pelo mercado. Claro que a coisa não é bem linear assim, mas vale a pena prestar muita atenção e conhecer muito bem a empresa onde está entrando. Pode ser que esteja optando por uma empresa comum que foi maquiada para parecer algo que realmente não é. Se a empresa não cresceu nos últimos anos, não foi investida, não tem um número expressivo de clientes, o produto é parecido com o de outras empresas similares e principalmente o empreendedor está satisfeito com o que tem, tome cuidado, pois pode ser que não seja uma startup.
Sem dúvida nenhuma o melhor ambiente de trabalho é aquele que é aderente ao seu perfil. Tentar uma metamorfose para se adequar a uma startup, gerará muito desconforto, sofrimento, desanimo e frustração. Agora, se o seu perfil for de espírito empreendedor e você se encontrar com uma startup de verdade, certamente usufruirá de algo invejável, incompreensível e inacreditável: você desejará todas as manhãs de segunda-feira, pois é durante a semana que o seu melhor se manifestará. Os finais de semana serão apenas para recobrar as energias e celebrar o prazer de trabalhar com aquilo que você ama.
Mateus Mondin
Professor Doutor
Departamento de Genética
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ
Universidade de São Paulo
Editor Chefe da StartAgro