Agtech / Banner-Home /


Ag-data analytics, Ag-machine learning, Ag-deep learning, estamos prontos para uma agricultura baseada em dados?

Os desafios para a transição da coleta de dados para o uso eficiente das informações

A agricultura passou uma por uma grande revolução na última década, com a entrada de várias tecnologias que permitiam a coleta e uso dos dados. Em um primeiro momento vimos a entrada da agricultura de precisão, com equipamentos e softwares, também alguns hardwares, para construção de mapas de fertilidades e para a aplicação de insumos com taxas variáveis. O avanço destes softwares levaram a uma outra frente de coleta de dados, pois já que as informações de fertilidade estavam sendo coletadas, o próximo passo seria ter em mãos as informações de clima. Esse foi um momento tão significativo, que a em 2013 a Monsanto comprou a Climate Corporation por um unicórnio [US$ 1 bilhão]. Se as informações de clima estão sendo fornecidas e gerenciadas, porque não iniciar coleta de dados sobre ocorrência de pragas e doenças? E assim foi feito. Todos esse movimentos levaram ao que se chama em inglês de mania for data-driven farming, conforme artigo de Belle Lin para o The Wall Street Journal, que em uma tradução livre para o português, soaria como mania de produção dirigida por dados.

A coleta de dados na produção agrícola não é novidade e de alguma forma sempre foi feita; do pedacinho de papel até elaboradas planilhas eletrônicas, a maior parte dos produtores fazia algum tipo de coleta de informação. Algumas muito bem organizadas e precisas, outras nem tanto e sem muito valor. De qualquer forma, sempre tivemos no campo uma certa mania pela coleta de informações e para diferentes finalidades.

Oferecer serviços e tecnologias para coleta e processamento das informações da produção agrícola foi apenas o atendimento de uma demanda, principalmente por ver as fragilidades com que essas informações eram coletadas, mas ao mesmo tempo reconhecendo valor que elas poderiam entregar, se fossem trabalhadas de uma outra forma. Tanto que a grande esperança e a maior promessa destas tecnologias era de que o investimento em softwares e hardwares que pudessem coletar dados do clima ao solo e seu devido tratamento analítico, poderiam levar a um uso mais eficiente das terras agrícolas e trazer ganhos de produção muito significativos.

O que se viu a partir de então foram equipamentos agrícolas embarcando as mais diferentes tecnologias de sensores, centenas de milhares de softwares para coleta de dados da produção agrícola, uma infinidade de tipos e modelos de estações meteorológicas, o uso indiscriminado do GPS, uma gigantesca opção de tipos de mapas que começam no NDVI e vão hoje para uma diversidade de bandas espectrais, além do uso de diferentes tipos de IoT e tecnologias de conectividade e leitura de informações e chegando finalmente nos sistemas de análises com os famosos algoritmos de IA (Inteligência Artificial) entre outros.

Não se falou em mais nada nos últimos 10 anos da agricultura, além de informação, análise de dados e tomada de decisão dirigida por dados. Dos grandes aos pequenos produtores agrícolas do mundo todo, a informação passou a ser o cerne de toda a operação no campo.

Entretanto, essa transformação veio acompanhada de inúmeros desafios. Por exemplo, o número de sistemas de gestão da operação agrícola para das milhares de dezenas no mundo todo e sem nenhum exagero, como relatamos acima. Além disso, cada uma se especializou em um pequeno setor ou fragmento da produção. Aqueles que tinham expertise para gestão de pragas agrícolas, desenvolveram seu próprios sistemas. Outros tinham competência no manejo da irrigação e assim desenvolveram sistemas específicos para isso. É quase impossível apontar todas as frentes que foram sendo criadas, mas o resultado foi basicamente uma pulverização da cadeia de produção em pequenos sistemas computacionais-gerenciais e uma falta de integração entre eles, já que cada sistema tem linguagem própria e não se conecta com outros programas. Assim a informação que deveria convergir, continuou sendo um acumulado de dados, quase que sem função já que não conversam um com o outro.

A síndrome dos dados atingiu o mundo todo, mas dados do USDA comprovam que aqueles que adotaram e utilizaram corretamente essas tecnologias, tiveram ganhos significativos nas suas produções. Isso naturalmente soa como um grande incentivo para que essa transformação se acelere e chegue a todas propriedades e no mundo todo.

Por outro lado a transição para o mundo do ag-analytics não é nada fácil. O fato de se ter uma extensa coleção de informações e dados, não significa que as análises irão acontecer de forma mágica pela simples adoção de um sistema de softwares. Comprar uma série de equipamentos ou serviços para monitoramento do clima ou para coletar dados da operação de um implemento agrícola, também não vai gerar um insight que permitirá uma tomada de decisão assertiva que aparece como um passe de mágica na tela do celular. Imaginar que aquela coleção de planilhas eletrônicas de 20 anos, construídas e carregadas com toda dedicação e curadoria, com centenas e centenas de parâmetros, irá gerar painéis na forma de dashboards que se atualizam em tempo real, também não vai acontecer.

É que existe um grande abismo entre a coleta de dados e a inteligência dos dados. A inteligência de dados é uma cultura que deve ser implementada em etapas dentro de uma operação. Como uma cultura, a produção de informação que leva a tomada de decisões assertivas, precisa amadurecer. E ainda mais importante, a inteligência de dados é uma ciência, que precisa ser construída passo a passo e que se não for bem feita, pode levar a erros catastróficos e de difícil solução. Os sistemas de machine learning são estruturados em premissas matemáticas e partindo deste princípio, inserir variáveis erradas com dados errados, irá resultar em saídas falhas. Não há mágica no negócio, só ciência exata, fria e pura.

Quando essa transição é iniciada e as informações começarão a alimentar um data lake, não é qualquer informação que pode entrar. É necessária uma curadoria baseada em análises estatísticas para se saber o que de fato deve entrar. Muitos pensam que toda e qualquer informação pode fazer parte do sistema e esse é um erro gravíssimo e que leva a grande maioria das mortes de projetos. Outro ponto importante é ter humildade em reconhecer que seu banco de dados não é completo, é fragmentado, com falhas e erros. Se agarrar aos dados como a uma pedra bruta, não levará a geração de valor. É necessário que a pedra seja lapidada para ter de fato algum valor e isso se aplica ao acumulado de informações. Lembre-se de que algumas propriedades apenas começaram a coletar informações de forma sistemática a apenas alguns anos, muitas a menos de dois anos. Então ainda não há séries históricas suficientes para predição ou prescrição. É importante ter como meta que a inteligência será uma construção temporal.

Veja que na área de finanças as coisas apenas funcionam porque há séries históricas quase que completas; a previsão do tempo começa a ficar mais efetiva quando essas mesmas séries históricas são aplicadas e o mesmo vale para alguns esportes, como baseball, futebol americano e outros.

Muitas vezes é frustrante contratar um projeto caríssimo de ag-deep learning e o mesmo não retornar os resultados que se espera e muitas vezes isso é devido a falta de etapas anteriores. Muitos projetos possuem estrutura de dados muito bons e que apenas o ag-machine learning já seria suficiente. Outros precisam de um assessment para a construção de uma matriz de dados lógica e que permitirá aplicar os algoritmos com muita precisão.

Lembre-se que os dados são a matéria-prima para a produção da jóia chamada ag-data analytics e que quanto mais pura e selecionada for a matéria-prima for, mais valiosa será a jóia produzida.

Referências:

Lin B. (2023) America’s Farmers Are Bogged Down by Data. In: The Wall Street Journal at https://www.wsj.com/articles/americas-farmers-are-bogged-down-by-data-524f0a4d

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro