APagri – A história da startup pioneira na introdução da Agricultura de Precisão no Brasil
Próxima de completar 20 anos, conversamos com Sérgio Góes – CEO da empresa – sobre sua experiência, atuação da empresa e perspectivas para o futuro do Agro no Brasil
Foi no ano de 1997 que Sérgio Luís Góes (então com 30 anos) ouviu falar pela primeira vez em barra de luz. Este equipamento auxiliava produtores no deslocamento de máquinas pela lavoura, mantendo um trajeto fixo e evitando que as máquinas passassem por faixas adjacentes. Este equipamento é apenas um dos vários que a chamada agricultura de precisão utiliza. Naquela época o termo era sequer utilizado entre a maioria dos produtores brasileiros. Sérgio é Engenheiro Agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP) e ouviu falar dessas barras de luz numa palestra de um professor quatro anos após sua formatura. Entre os anos em que frequentou a faculdade (1989 a 1993), não se falava em agricultura de precisão, nem mesmo na disciplina ministrada por este professor.
Formação atual da diretoria APagri. A partir da esquerda: Alessandra da Silveira (diretora administrativa), Ailton Gama (diretor Laboratório Ubersolo), Tiago Cappello Garzella (diretor técnico) e Sérgio Góes – Banco de imagens APagri
Um dos usos mais comuns da barra de luz era orientar a direção das máquinas agrícolas na pulverização. Antes disso, os produtores orientavam os trajetos das máquinas com correntes, marcando o caminho no chão, utilizando uma máquina guia para puxar a máquina que aplicava o insumo no caminho correto. Após anos estudando e aprimorando seus conhecimentos técnicos, científicos e administrativos, Sérgio Góes criou a empresa APagri em 2002, da qual hoje é CEO e o único sócio que permaneceu desde a fundação. Góes unia os conhecimentos que chegavam da academia e das indústrias transformando-os em serviço para agricultores, estruturando as tecnologias que estavam surgindo e oferecendo um portfólio de mecanismos que visavam implementar a agricultura de precisão como forma de se aumentar a produtividade e diminuir perdas de insumos.
A oportunidade em agricultura de precisão era algo a se discutir e fizemos todo um trabalho de doutrinação, explicação, quase religioso, no processo para convencer, treinar e preparar as pessoas para utiliza-la.
Sérgio Góes
“Naquele momento, a agricultura ainda não produzia o que produz hoje e os preços eram menores. A oportunidade era de entrar com a tecnologia para aumentar o potencial produtivo” conta Góes. Realmente, o momento não poderia ser melhor. Durante a década de 2000, houve a popularização de duas tecnologias que são básicas para a agricultura de precisão: o GPS para uso civil e a internet. Estas duas tecnologias unidas, podem auxiliar o produtor de diversas maneiras, otimizando a aplicação dos insumos, aumentando a produtividade, automatizando a produção, sistematizando dados, entre outras aplicações. O grande problema de uma tecnologia nova é que, mesmo que ela seja disruptiva, revolucionária, é preciso dispender um esforço enorme em divulgar e ensinar a sociedade à utilizá-la e incorporá-la. “Começamos a aplicar estas tecnologias no final de 2002. A oportunidade em agricultura de precisão era algo a se discutir e fizemos todo um trabalho de doutrinação, explicação, quase religioso, no processo para convencer, treinar e preparar as pessoas para utiliza-la” relata Sérgio.
Além de adaptar estas tecnologias para a realidade brasileira, era necessário convencer os produtores mais conservadores à adotá-las, mostrando todos os ganhos que o agricultor pode ganhar ao usá-las em seu processo produtivo. No início da década de 2000, a APagri era uma empresa pioneira no setor agropecuário no Brasil. Este perfil pioneiro alavancou a empresa que, ao contrário das startups atuais, contou apenas com o reinvestimento de capital próprio para seu crescimento. Góes diz “Todo dia primeiro de janeiro eu fecho o balanço das contas e tenho que recomeçar, reconstruir. É lógico que, o relacionamento com os clientes faz com que você vá perpetuando o trabalho que a gente vai construindo, seja com o atendimento e o pós-atendimento, no processo dentro de uma empresa como a nossa”. Ele destaca que a empresa possui partes que podem se comportar como uma startup, principalmente na busca por recursos. Inclusive, a APagri já passou por um spin-off (processo de desmembramento), que deu origem à uma startup a parte. Também já fez o contrário: incorporou um laboratório em Uberlândia (MG) – o Ubersolo – para aplicar técnicas processuais e de qualidade mais assertivas em suas atividades. Sérgio conclui “O conhecimento e a inteligência administrativa de enxugar o que é necessário para tornar essa máquina ‘redonda’ quando se trabalha com inovação e com este mercado que sempre se reconstrói, obriga, realmente, a fazer uma metamorfose o tempo todo. Então, este espírito de startup está aqui dentro desta empresa. ”
De fato, este espírito à qual Góes se refere faz parte da missão e da atuação da APagri desde a sua fundação. Com isso, a empresa é capaz de atender uma gama enorme de produtores. O tamanho do produtor independe. Os pequenos produtores devem conhecer seu negócio muito mais a fundo do que um grande produtor, segundo Góes. Um produtor do Rio Grande do Sul, por exemplo, que possui 12 hectares de terra e que faz uma produção quase que cooperativa (onde empresta o trator de um vizinho, dá sementes para outro produtor, troca dados com aqueles que possuem condições parecidas), precisa das informações mais corretas e detalhadas possíveis para poder investir e aprimorar sua produção para alcançar um retorno maximizado. “As tecnologias da agricultura de precisão cabem em qualquer bolso e é óbvio que, quanto menor a área do produtor, ele deveria buscar produzir coisas com um maior valor agregado” diz Góes. Já os grandes produtores atendidos pela APagri possuem demandas de serviços diferentes. “Ele [o grande produtor] não enxerga o negócio no aspecto ‘palmo a palmo’ como o pequeno produtor. Ele precisa de mais ferramentas […] para um processo bem diagnosticado e que ele possa fazer uma aplicação mais assertiva de insumos, direcionar a aplicação e alcançar o melhor resultado.”
Para este acompanhamento, a APagri conta com 65 colaboradores, entre agrônomos especializados em TI (tecnologia da informação), agrônomos consultores, técnicos de laboratório, na área administrativa e diretoria e atua em mais de 500 mil hectares (e uma área de influência de mais de 1 milhão de hectares). A empresa utiliza tecnologias de ponta no monitoramento de lavouras, como drones, câmeras de alta precisão, uso de GPS e tecnologia da informação. Góes vê o futuro com a modernização da agricultura e a utilização cada vez maior de tecnologias, como a tecnologia 5G, a internet das coisas (IoT). A facilidade em se enviar dados, informações e arquivos, via internet, para lugares distantes do globo é algo sem precedentes na história, mas, infelizmente, ainda não é totalmente democrática. Além dessa democratização da internet, o grande desafio que Góes aponta é o de capacitar os consultores e os produtores na interpretação dos dados gerados no campo. “O desafio que surge quando você começa a ter esses dados [de produtividade, clima, fertilidade, entre outros] consolidados, agrupados e tratados, é conseguir interpretar porque, uma coisa é eu fazer um balanço com os dados que tenho, outra é o resultado. Se eu tive um resultado tal pela combinação de trinta produtos, os mesmos trinta produtos não dão o mesmo resultado para o vizinho com o mesmo tipo de solo. Então você tem a combinação de estudo com variedades, com época de plantio e, a partir de agora, eu acredito que o grande desafio ou oportunidade é a questão do tratamento de dados”.
O Brasil é uma estrada a ser pavimentada.
Sérgio Góes
Góes acredita que a democratização das tecnologias – em especial da internet – passa por uma mudança radical, com maior permeabilidade para a tecnologia e menor viés ideológico no investimento em infraestrutura no Brasil. Essa é a grande oportunidade para o país. “O Brasil é uma estrada a ser pavimentada. Ou o Brasil se abre ou a gente está morto no jogo”. Para Góes, o Brasil precisa captar recursos para investimento em tecnologia e infraestrutura para que todo mundo possa ganhar com a otimização de serviços digitais. Além do aumento da produtividade, da produção e da receita do produtor, estes investimentos diminuem o custo geral da produção em todos os setores da economia.
Ele reflete sobre a utilização da tecnologia durante a pandemia da Covid-19. “Hoje você pode fazer um ‘FaceTime’ [chamada de vídeo] no WhatsApp e é muito fácil, só que o ‘FaceTime’ existe há muito tempo. O WhatsApp veio como uma ferramenta que se encaixou de uma forma plena. Eu recebo mensagem o dia inteiro. Hoje eu falei com um colega que mandou um áudio de dois minutos. Olha, quem quiser falar por dois minutos me liga!” brinca Góes. Pouco a pouco, os produtores se acostumam com as tecnologias e aceitam a nova maneira de se comunicar, tanto os clientes mais antigos e mais ainda os netos destes clientes, que hoje em dia procuram os serviços da APagri e aceitam bem melhor estas tecnologias modernas. Durante esse período “tivemos que tirar o calor da mesa. Estávamos acostumados a pegar na mão, abraçar, encontrar. Chegamos a levar uma chamada porque um de nossos técnicos chegou na fazenda de um produtor e cumprimentou todo mundo. Já tivemos, também, uma chamada porque o técnico foi na operação e não falou com ninguém! ”
Técnicos APagri em visita à campo Coleta de solo para análise Coleta de solo para análise
Com a APagri prestes a comemorar 20 anos, perguntamos a Sérgio Góes como ele vê a empresa e a si mesmo daqui a 20 anos. Inicialmente, ele brinca com o clima da região. “Primeiro que eu quero estar na praia, né? Ou pelo menos em uma serra, num lugar com a temperatura mais amena, né? Aqui em Piracicaba é uma panela de pressão! O lugar é maravilhoso, com um monte de coisa boa, mas é calor demais”. Em seguida, ele reflete sobre sua contribuição com o agro e diz que pretende estar colaborando com o agro enquanto tiver condições. Acredita que a linguagem e a maneira de se lidar com as coisas deve mudar cada vez mais e que “o que eu tenho que fazer é pegar a molecada e educar, preparar, treinar, passar a experiência, passar conhecimento, para que daqui a 20 anos a empresa esteja independente do seu fundador. ”
Sérgio Góes (hoje com 53 anos) diz que tem a energia necessária para continuar seu trabalho por mais vinte anos e que, nestes tempos modernos, as habilidades dos homens e mulheres está aumentando, pelo conhecimento, pelo avanço da saúde e pelas facilidades que a tecnologia tem trazido. Independente da data de sua aposentadoria, Sérgio Luís Góes já pode se orgulhar de seu legado no agronegócio, popularizando a tecnologia de precisão entre os agricultores do país e por ser referência nos serviços que ele presta. E pode se orgulhar do modelo de negócio que iniciou lá em 2002.