Investimento em startups Agtech: oportunidades e desafios à vista
O ecossistema de investimento em startups está crescendo no Brasil – e ficando mais sofisticado. O AgTech se beneficia disso, embora ainda haja muitos desafios no caminho
Clayton Melo
O ecossistema de investimento em startups no Brasil vem amadurecendo nos últimos anos. Isso significa, na prática, maior facilidade para captação de verbas por parte dos empreendedores. Não é exagero falar que está havendo uma democratização do acesso a recursos por novas empresas de base tecnológica. Essa é a boa notícia, mas isso não quer dizer que os obstáculos e os desafios à evolução desse sistema tenham sido superados, especialmente para as AgTechs.
Vamos começar pelas boas notícias. O universo de investidores de startups está crescendo – e ficando mais sofisticado. O mercado tem recebido cada vez mais aceleradoras, investimento-anjo, corporate-ventures e fundos liderados por grandes instituições.
BNDES e as AgTechs
No caso das AgTechs, esse movimento é mais recente e, portanto, embrionário. Os principais mecanismos de fomento ainda continuam sendo os públicos, vindo de agências como Fapesp e/ou liderados por empresas de fomento como Desenvolve SP e o Fundo de Inovação Paulista (FIP). Mas gestoras privadas, como SP Ventures e Inseed, cada vez mais assumem papel de destaque no ecossistema, assim como se percebe um gradativo aumento do interesse por parte de investidores-anjo, aceleradoras e companhias de venture capital.
Nesse sentido, é importante o passo dado pelo BNDES, o maior investidor de empresas do País, que agora faz um aceno para as startups em geral e também para o investimento-anjo, uma perna fundamental para fazer o novo empreendedorismo brasileiro de deslanchar.
O banco lançou há poucos dias o Fundo de Coinvestimento Anjo, destinado a startups com até R$ 1 milhão de faturamento e que possuam negócios inovadores. Pela iniciativa, as empresas selecionadas poderão receber aporte de R$ 500 mil do BNDES, desde que seja em conjunto, na mesma proporção, ao de um investidor-anjo e/ou aceleradora. As AgTechs são um dos alvos escolhidos pelo banco em sua estratégia.
O plano é fomentar principalmente empresas de setores como agronegócio, economia criativa, cidades inteligentes, nanotecnologia, saúde e tecnologia da informação e comunicação. Lançado em novembro, o edital vai receber propostas até 12 de janeiro de 2018 (clique aqui para saber mais e se inscrever). Vamos ver como vai funcionar.
Cervejaria Leuven e o equity crowdfunding
Outra frente interessante que promete avançar no País é o chamado equity-crowdfunding, ou investimento coletivo em startups. É uma modalidade que permite que uma startup possa fazer uma captação pública recursos, via internet, com a possibilidade de receber pequenas quantias de diferentes investidores. É o crowdfunding baseado em investimento, não em doações ou premiações por apoio a projetos específicos, como no modelo popularizado por plataformas como Catarse e Kikante.
Se por um lado o equity crowdfunding ajuda os empreendedores, ele também abre uma porta para os pequenos investidores, principalmente pessoas físicas, que podem se tornar sócias de novas empresas com aportes a partir de R$ 5 mil, por exemplo. A CVM regulamentou esse modelo em junho, algo há muito aguardado no setor de empreendedorismo porque representa mais um passo na democratização dos investimentos em startups no País.
Um bom exemplo de investimento coletivo vem da Leuven, uma pequena cervejaria de Piracicaba. Em outubro, em apenas uma semana, a empresa captou R$ 1,5 milhão por meio desse formato. Pelo projeto, os 90 novos sócios vão se envolver ativamente na cervejaria, por meio de uma comunidade, e poderão fazer sua própria cerveja. Para isso, vão receber treinamento sobre os processos de produção. Depois, poderão usar os equipamentos da fábrica para produzir sua cerveja e engarrafá-la. Se a receita for aprovada pelos donos da Leuven, ela entra no portfólio da marca com a assinatura do criador do rótulo. Bela iniciativa de uma startup de cerveja, que é agronegócio, não custa lembrar.
Investimento-anjo
Quando o assunto é investimento em startups, é importante observar o movimento dos investidores-anjo, figuras que podem fazer a diferença para um empreendedor que dá os primeiros passos. Se comparado a outros países mais avançados no mercado de startups, essa modalidade ainda engatinha no Brasil. O dado relevante é que ela também está avançando.
O estudo mais recente da Anjos do Brasil, uma entidade do setor, aponta que o volume de investimento-anjo no Brasil, em 2016, foi de R$ 851 milhões, um aumento de 9% ante o ano anterior. No período, o número de investidores caiu 3% (de 7.260 para 7.070), mas o ticket médio por investidor subiu (R$ 120 mil, 11% superior ao de 2015). Segundo a Anjos do Brasil, a crise não diminuiu o volume de investimentos porque, por se tratar de investimento em inovação, o investidor olha para o futuro e vai em frente.
Estímulos e desafios
Esses desses indicam tanto o aspecto positivo como os desafios vividos pelo ecossistema brasileiro. “Observamos pela pesquisa que os investidores ativos continuam crescendo e investindo mais. Em contrapartida, os investidores passivos vão em sentido oposto, retardando o crescimento do investimento-anjo no Brasil”, disse em outra oportunidade Cássio Spina, presidente da Anjos do Brasil. “Assim, é necessário que se promovam políticas de estímulo para os investidores, como as já praticadas nos EUA e vários países europeus, pois as startups dependem não só de capital financeiro, mas também intelectual que os investidores-anjo aportam”.
Para acelerar os investimentos, a entidade vem tentando, perante o governo e deputados, emplacar medidas como incentivos fiscais, como a compensação de parte do investimento nos impostos devidos, assim como a isenção do tributo sobre o ganho de capital. “Sem esses estímulos, temos o risco de estagnar o crescimento do investimento-anjo em startups no Brasil, lembrando que, em comparação aos EUA e Europa, ainda representamos menos de 1% do que se faz por lá”, segundo Spina.
No caso do setor AgTech, um ponto importante é que os investidores (ventures capital, aceleradoras e anjos, muitos deles acostumados com o mercado de tecnologia) tenham consciência de que este é um setor diferente dos demais. Não se pode esperar de uma startup agrícola o retorno no mesmo ritmo que uma nova empresa de games. AgTech também não é comércio eletrônico.
O retorno exigirá um prazo mais longo, assim como é diferente o processo de prototipagem e validação – é preciso, muitas vezes, esperar uma safra ou mais para validar um produto com um cliente, que é um produtor rural. Esse é um ponto especialmente crítico se pensarmos em novas empresas de biotecnologia, que precisam de investimentos consideráveis em pesquisa e desenvolvimento logo na largada.
Em todo caso, o balanço é positivo para o ecossistema de startups, incluindo o setor AgTech. Há o que comemorar. A jornada, no entanto, é longa e há muitas safras do meio no caminho. O mais importante, porém, é que, mesmo que aos trancos e barrancos e com as crises política e econômica do País nos últimos tempos, o empreendedorismo avança e fortalece. No campo também.