Como Israel se tornou referência agritech e o que o Brasil pode aprender com isso
Com o avanço da agricultura digital, Israel não perdeu tempo e está fazendo uma revolução nas fazendas por meio de inovações disruptivas
Por Francisco Jardim
Sócio da gestora de investimentos SP Ventures
A força de Israel no agronegócio é historicamente reconhecida. Com apenas 20% do solo arável, o País conquistou notoriedade global no setor ao transformar uma região totalmente inóspita em uma terra fértil para diversas culturas de frutas, legumes e flores e também para pecuária, especialmente na produção de leite.
A tradição do povo israelense no campo é uma herança social e política, datando do início do século passado, quando comunidades sustentadas pela agricultura se organizaram nos chamados kibbutz e moshav, que foram as sementes para o desabrochar de uma nação líder em tecnologias de ponta, como o desenvolvimento de sistemas de dessalinização da água do mar e de irrigação e a criação de novas variedades de sementes e plantas.
Com o avanço da indústria digital, Israel não perdeu tempo (nem terreno) para adubar uma nova revolução nas fazendas que está sendo agora capitaneada por inovações disruptivas como a Internet das Coisas, a Inteligência Artificial, a computação em nuvem, o big data, a robótica, a biotecnologia, a nanotecnologia, os satélites e drones.
Desde que comecei a investir no agribusiness, sempre me intrigou o fato de Israel ter conseguido se tornar uma referência mundial mesmo em um cenário tão adverso. Como pôde ter dado certo se tinha tudo para dar errado? Quais estratégias foram adotadas pelo País para se tornar um grande exportador e autossuficiente no cultivo de alimentos? O que o Brasil pode aprender com os empresários israelenses do agro?
A pujança do agritech em Israel se traduz em números. Um relatório da Start-Up Nation Central contabilizou mais de 400 startups de tecnologia agrícola em operação no País em 2016, ano em que o setor levantou US$ 97 milhões no mercado israelense – 3% do investimento global.
Não é apenas no agro que Israel é uma “Start-Up Nation”, como o país foi batizado pelos jornalistas Dan Senor e Saul Singer no best-seller Start-up Nation: The Story of Israel’s Economic Miracle. Apesar de ter uma população de apenas 9 milhões de habitantes e uma extensão territorial de 20.770 km2 (apenas para comparar, o Estado de Alagoas tem 27.768 km2), a nação contabiliza mais de 4 mil startups.
E as adversidades não se restringem ao clima desértico. O País enfrentou crises econômicas, inflação, várias guerras internas e externas e mesmo assim é o 3o com mais empresas listadas na Nasdaq atrás dos Estados Unidos e da China. No agritech, apenas para citar algumas startups israelenses, se destacam empresas como a Farm Dog e a Taranis, que oferecem sistemas inteligentes para manejo de pragas; ou a CropX, a Neotop e a Emefcy, que aplicam tecnologias para otimizar o uso de água.
Uma das principais áreas que vêm atraindo novos empreendedores e investidores nos últimos anos é, como no caso da CropX, a agricultura conectada. Através da estruturação de redes interligadas, os fazendeiros israelenses foram pioneiros na coleta, monitoramento e análise de dados em tempo real, que são acessados em tablets, smartphones e laptops para auxiliar na tomada de decisões na gestão da lavoura.
A Taranis, vale registrar, definiu o Brasil como um mercado prioritário após levantar uma rodada de US$ 7,5 milhões da qual participaram vários VCs, entre eles a Mindset Ventures, parceira da Microsoft; a Finistere Ventures e a Vertex Ventures.
“Escolhemos o Brasil como um mercado estratégico pois sabemos que tem muitos clientes em potencial. Além disso, a extensão de terras é enorme em comparação com outros lugares do mundo. Descobrimos que, para enfrentar as necessidades, os fazendeiros brasileiros são early-adopters de tecnologias e abertos à inovação”, disse o CEO Ofir Schlam em comunicado da Microsoft Brasil.
A nova safra israelense de startups deve-se a inúmeros fatores que vão muito além de acesso a capital. Israel investe 4,3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, mais do que qualquer outro país. Os Estados Unidos são o 9o, investindo 2,8% do PIB. A Coreia do Sul é a 2a, com 4,2%, e o Japão o 3o, com 3,3%.
A parceria com o universo acadêmico também é muito incentivada através de pesquisas realizadas por organizações como o quase centenário Volcani Institute, fundado em 1921, e pelas Universidades de Agricultura, incluindo, entre outras, a Hebrew University of Jerusalem, a Tel Aviv University e o Weizmann Institute of Science.
Recentemente tive a oportunidade de me aproximar do ecossistema de startups agritech israelense e conheci jovens empreendedores que vêm ditando tendências na criação de novas tecnologias para transformar o campo.
Conversei há alguns dias com Liron Brish, CEO e co-fundador da Farm Dog. O bate-papo me fez pensar o quanto nossos produtores brasileiros reúnem todas as condições favoráveis se quiserem seguir os passos de Israel em inovação no campo.
“Os investimentos em inovações tecnológicas nos últimos 15 a 20 anos não estiveram focados no agribusiness. Israel vive uma tempestade perfeita formada por talentos e tecnologias provenientes de outros setores que estão agora sendo aplicadas no agro. Com alta penetração no mobile e conectividade no campo, o mercado israelense conta com uma infraestrutura que favorece o desenvolvimento das agritechs”, me disse Liron, respondendo em seguida porque acredita que o Brasil dispõe de fertilizantes essenciais para firmar raízes como uma das maiores potências do agronegócio global.
“É um mercado agrícola enorme e um dos países que também está na vanguarda tecnológica no agro, como no caso do desenvolvimento do Etanol, que envolveu produtores, usineiros, governo, distribuidores de combustíveis e consumidores”, assinalou.
Liron tem razão. Se o Brasil quiser manter-se competitivo no agritech mundial e na criação de soluções de tecnologia para o campo é bom abrir bem os olhos para o que está sendo plantado em Israel e outros mercados, como Estados Unidos e Canadá, onde a revolução agrária encontrou a revolução tecnológica.
Ao estabelecermos comparações, é fácil constatar que reunimos condições tão favoráveis quanto Israel para consolidarmos nossa posição entre os maiores mercados mundiais de agritech.
Senão, vejamos:
- Temos uma inegável vocação agrícola.
- As condições climáticas são melhores e já vencemos o desafio do semiárido com a transformação do cerrado em lavoura.
- Nossa indústria de startups demonstra maturidade, atrai investidores e revela seus primeiros unicórnios.
- A economia dá sinais de melhora e o agronegócio segue firme com perspectivas de uma excelente safra e preços saudáveis.
- A cada dia temos mais profissionais e empreendedores interessados em trabalhar com agritech. O agro está rapidamente se tornando um reduto para os geeks.
Abrir espaço para o surgimento de novos fundos interessados no agritech, oferecer incentivos aos produtores rurais para adoção de tecnologias, fomentar polos de inovação em parceria com Universidades, continuar investindo pesado em pesquisa e garantir infraestrutura logística de qualidade para que nossos produtores agrícolas não devolvam toda sua produtividade “fora da porteira” são alguns dos desafios que enfrentaremos nos próximos anos para colhermos frutos tão saborosos quanto os que germinam nos kibbutz da Terra Santa.