A-Tech - Subcaderno: Mundo / Banner-Home /


No futuro não precisaremos mais de sol para produzir alimentos

Sistemas nutricionais alternativos burlam a fotossíntese e garantem o crescimento e a produção das plantas

Em termos de abundância sobre a face da terra, nada se compara a luz. De forma gratuita e não intencional somos todos os dias banhados por ela. A luz é a fonte de vida na terra e as plantas são os seres que melhor utilizam essa fonte de energia, sendo capazes de produzir seu próprio alimento a partir da luz solar.  Há milhões de anos as plantas têm convertido a energia luminosa em energia química através do processo de fotossíntese. E toda a agricultura e a produção de alimentos depende do sol como fonte de energia.

As plantas necessitam de luz não apenas para fazer a fotossíntese, mas também para outros processos como a germinação, crescimento, florescimento e maturação do fruto. Todo esse sistema depende de uma intricada rede química que vem evoluindo desde o início da vida na terra.

Agora imagine se alguém decidisse produzir plantas em total escuridão. Isso seria de fato pensar fora da caixa, uma vez que seria necessário transformar e adaptar todo um aparato de mecanismos químicos, finamente balanceados, para driblar a necessidade da luz. Parece algo impossível, que exigiria uma sofisticada engenharia genética para ativação e modificação de genes envolvidos nas diferentes via metabólicas, como também seria necessário pensar em uma nutrição das plantas com moléculas nunca testadas antes.

Foi esse cenário totalmente improvável que motivou o engenheiro químico Robert Jinkerson da Universidade da Califórnia em Riverside, a iniciar um programa de pesquisas para produzir plantas no escuro utilizando nutrição artificial. Durante seu estágio de pós-doutoramento, trabalhando com biocombustíveis, Jinkerson descobriu que alguns tipos de algas poderiam crescer sob total escuridão se fossem fornecidas a elas uma simples molécula de hidrocarboneto chamada de acetato.

O acetato é normalmente processado no chamado ciclo de Krebs, que faz parte do sistema respiratório das células. No caso das plantas, esse ciclo é utilizado para quebrar parte por parte dos açúcares formados e armazenados durante a fotossíntese, tirando o máximo de energia possível para sintetizar outros blocos fundamentais como os das proteínas e outros componentes químicos necessários para a célula. Então Jinkerson decidiu nutrir as plantas com acetato, pulando toda a etapa de produção dos carboidratos durante a fotossíntese.

De certa forma isso tem um paralelo com o que acontece com as sementes quando semeadas no solo. Longe da luz solar a germinação ocorre e a planta utiliza-se de vias alternativas de produção de energia, até que as folhas sejam expostas a luz solar, quando então os sistemas alternativos são desativados. Então se fosse possível fornecer o acetato diretamente para as plantas e manter os sistemas alternativos de produção de energia funcionando, não seria necessária a luz para operar o sistema.

E de fato o grupo de pesquisa teve êxito em fazer com que as plantas metabolizassem o acetato fornecido como um nutriente durante o seu desenvolvimento, o que já poderia ser considerado um grande feito, mesmo que não em total ausência de luz. Entretanto, a forma como se fornece o acetato deveria ser o grande diferencial. Uma vez que na respiração é produzido o CO2 e o mesmo é reciclado durante a fotossíntese para produção de mais acetato, o mais interessante seria que algum aparato pudesse produzir esse acetato a partir do gás carbônico. A ideia original de Jinkerson para isso, era o uso de painéis solares que pudessem fazer a conversão do gás em acetato.

E a ideia começou ganhar ares de realidade quando Jinkerson, recém chegado a Universidade da Califórnia, teve a oportunidade de assistir a um seminário de Feng Jiao da Universidade de Delaware, que a partir de um aparato do tamanho de uma folha de papel conseguia converter CO2 e água em acetato e etileno através de um eletrolisador. Logo Jinkerson convenceu Jiao a se juntarem e em 2022 publicaram um artigo na Nature Catalysis mostrando que a eficiência do aparato para produzir acetato saltou de meros 30% para 99%. O que torna o eletrolisador e conversor algo promissor do ponto de vista econômico.

A próxima etapa foi conectar o sistema eletrolisador a produção de plantas e fornecer o acetato diretamente no cultivo. Em um primeiro experimento foram produzidos cogumelos comestíveis com muito sucesso. A produção alcançou a marca de 8,5 Kg em dois metros cúbicos por dia em total escuridão e com eficiência 18 vezes maior do que em um sistema aberto com luz. Os resultados apareceram em um artigo publicado na Nature Food.

A seguir o grupo cultivou nove espécies de plantas de interesse agronômico, incluindo alface, tomate e pimentões. As plantas sobreviveram, mas não foram capazes de crescer. Isso porque não sobrava CO2 para que a planta pudesse sintetizar outras partes importantes de sua estrutura. Para solucionar o problema a equipe de pesquisa optou por editar genes das vias metabólicas de germinação das sementes, que conseguem fazer as transformações necessárias das diferentes partes das plantas na ausência de luz. A via metabólica para esse sistema de germinação e operação no escuro é conhecida como ciclo do glioxilato, que permite com que as plântulas utilizem suas reservas de proteínas, óleos e amidos, literalmente ignorando o ciclo de Krebs. Os pesquisadores modificaram três genes, permitindo que as plantas pudessem crescer normalmente quando nutridas com acetato em alta concentração.

Mas, não apenas o acetato tem o potencial de ser utilizado para controlar esse sistema de produção na escuridão. Recentemente o mesmo grupo de pesquisadores descobriu que os açúcares também poderiam contribuir no homérico desafio de burlar a fotossíntese. Para isso Jinkerson estabeleceu uma parceria com a pesquisadora Martha Orozco-Cárdenas, também da Universidade da Califórnia em Riverside para produzirem alface no escuro usando sacarose como nutriente. Os resultados iniciais foram modestos, mas mostraram que as características organolépticas não foram alteradas. Agora o objetivo é produzir tomate cereja em plantas sem folhas e que canalizem toda a energia para a produção de frutos.

A questão chave voltou para a forma de fornecer o açúcar para as plantas sem que fosse necessário a produção natural. A ideia de utilizar um eletrolisador, deveria ser o melhor caminho, já que havia se mostrado viável para o acetato. Comparativamente, o acetato é uma molécula muito mais simples do que a maior parte dos açúcares e portanto mais simples de ser sintetizado pelo eletrolisador. Entretanto, um grupo de químicos da Universidade da Califórnia em Berkeley publicaram no final de 2022 um artigo descrevendo um eletrolizador que convertia CO2 e água após uma sequência de reações em sacarose. Além disso, um grupo chinês da Universidade de Ciências Eletrônicas e Tecnologia apresentou na revista Nature Catalysis uma levedura geneticamente modificada capaz de transformar o acetato produzido no eletrolisador em sacarose. Resultados que validaram a ideia de fornecer de forma artificial o açúcar necessário para o desenvolvimento das plantas.

O grupo de pesquisa ganhou um fôlego extra para sua audaciosa jornada em abril de 2020, quando um artigo publicado na revista científica Plant Direct apresentou a descoberta de uma variedade mutante de arroz que crescia e produzia em total ausência de luz.

Todo esse esforço monumental para a produção de plantas sem luz tem uma motivação agrícola. Jinkerson acredita que com esse sistema funcionando seria possível produzir alimentos em lugares nunca antes imaginado, como nos polos terrestres. Além disso, seria possível se reimaginar a produção de alimentos dando maior valor agregado para produtos que hoje têm uma operação como commodities, como é o caso do açúcar. Por exemplo, ao invés de se vender o açúcar nesse mercado, os produtores poderiam utiliza-lo em sistemas de produção de vegetais de alto valor agregado, para consumidores e restaurantes de alta exigência em termos de qualidade, sabor e sustentabilidade. Outra aplicação seria a de se produzir o ano todo em sistemas de produção vertical, evitando-se intemperismo climáticos e também transporte em longas distâncias. Sabemos que o sistema vertical, hoje, tem uma série de limitações com relação ao balanço energético, especialmente no fornecimento de energia luminosa. Imagine então se fosse possível produzir no mesmo sistema vertical sem que as luzes fossem acesas ou que fossem por apenas alguns minutos? Isso traria benefícios enormes para as questões de sustentabilidade e viabilidade destes sistemas indoor de produção.

Entretanto, os sonhos desses pesquisadores estão fora da terra. O que eles realmente esperam resolver é a questão da alimentação para astronautas em longas viagens espaciais. Uma viagem para Marte, por exemplo, exigiria algo em torno de 10 toneladas de alimentos para três anos, alimentando 6 tripulantes. O problema é que atualmente não se pode conservar nutrientes fundamentais para alimentação humana por tão longo período e há uma questão de bem-estar desses astronautas. Não é apenas uma questão de nutrição, há envolvido nessas viagens de longo período a questão do sabor, da textura e outras coisas que trariam uma melhor qualidade de vida durante essa jornada.

Não é por menos que a próxima etapa do projeto é testar os sistemas já funcionais em terra na estação espacial para se avaliar os efeitos da microgravidade sobre a produção de plantas cultivadas no escuro.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro