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O Boicote italiano à tecnologia de produção da carne cultivada em laboratório

O governo da Itália aprovou um projeto de lei que proíbe o uso de alimentos produzidos a partir de células e ração animal. A medida ainda precisa ser ratificada pelo parlamento do país, e o governo afirma que a medida é para proteger as tradições alimentares do país. A nova regra significa que empresas italianas não poderão produzir alimentos ou ração “a partir de culturas celulares ou tecidos derivados de animais vertebrados”. O não cumprimento das regras pode resultar em multas pesadas que chegam até €60.000 (US$ 65.022 ou 330 mil Reais).

A produção de células e tecidos animais artificialmente tem sido uma tendência nos últimos anos, com investimentos milionários como apresentamos logo mais abaixo na matéria. A produção de células em biofábricas consiste em se ter uma célula originária de algum tecido animal e dentro de condições laboratoriais oferecer a ela todas as condições necessárias para o seu crescimento. Em algumas condições especiais pode-se inclusive induzir a diferenciação desse material celular em algum tipo de tecido específico. Sem dúvida alguma, muito mais do que para a indústria de alimentos, as células cultivadas in vitro, termo técnico para células que crescem fora do organismo original, é um tipo de Santo Graal para a medicina, que há anos busca uma solução para transplante de tecidos, terapia celular e quem sabe um adia até o desenvolvimento de órgãos inteiros. Isso seria uma revolução para a medicina, uma vez que atualmente sofremos na provisão de tecidos, órgãos e células a partir de doadores voluntários. Embora alguns animais possam fornecer órgãos específicos, os xenotransplantes, como são chamados o tipo de transplante quando um órgão animal é implantado no organismo humano, ainda enfrenta uma série de limitações de diversas ordens e por isso os avanços no cultivo de células, tecidos e a produção de órgãos é fundamental.

Entretanto, é na indústria de alimento que essa tecnologia tem causado maior sensação. Em 2021 a startup israelense Future Meat inaugurou a primeira fábrica de carne cultivada no mundo na cidade de Rehovot, com uma capacidade de produzir até 500 kg por dia, o que renderia até 5 mil hambúrgueres saindo diretamente do laboratório. Na cidade de Emeryville na Califórnia, Estados Unidos, a startup Upside Foods, conseguiu a aprovação e a liberação para comercialização de seus produtos pela agência americana de saúde e alimentos, a FDA (Food and Drug Administration), no final do ano passado [2022]. Singapura já liberou para venda comercial produtos de carne à base de células. Além desses casos a tecnologia aparece registrada para mais de 70 startups no mundo hoje, mostrando que essa seja uma tendência sem volta. A decisão da Itália parece estar em desacordo com as tendências globais.

O Good Food Institute (GFI), um think tank global do sistema alimentar que promove alimentos à base de plantas e células, destacou recentes investimentos do governo europeu em pesquisa de proteína à base de células. No ano passado, a Holanda investiu €60 milhões em pesquisas e desenvolvimento de carne cultivada e fermentação de precisão. Enquanto isso, o governo do Reino Unido anunciou um financiamento de £16 milhões (US$19,7 milhões – aproximadamente 100 milhões de Reais) para proteínas sustentáveis, incluindo carne cultivada. O governo espanhol investiu €5,2 milhões (28,6 milhões de Reais) em um projeto que investiga o potencial da carne cultivada para ajudar a prevenir doenças relacionadas à dieta.

A decisão da Itália de proibir alimentos à base de células segue a pressão contínua da poderosa indústria agroalimentar do país para proteger a produção local e promover a marca “Made in Italy”. Após a proibição ter sido anunciada, o Ministro da Agricultura da Itália, Francesco Lollobrigida, publicou no Twitter que se trata de uma “batalha de civilizações” e que a medida foi tomada “em defesa da saúde dos cidadãos, do nosso modelo de produção, da nossa qualidade, da nossa cultura, simplesmente da nossa soberania alimentar”.

No entanto, o GFI descreveu a medida como “preocupante”. Alice Ravenscroft, chefe de política do GFI Europa, afirmou que “a aprovação de uma lei como essa impediria o potencial econômico desse campo incipiente na Itália, retardando o progresso científico e os esforços de mitigação climática, e limitando a escolha do consumidor”.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro