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O que um mentor e investidor de startups AgTech tem a dizer aos empreendedores urbanos da agricultura. Por Rodrigo Iafelice dos Santos

Mentor e investidor de startups AgTech, Rodrigo Iafelice alerta os empreendedores para os cuidados na hora empreender no mundo agro. Não se vende um produto, por exemplo, apenas porque ele é inovador. E também não adianta apostar em discursos cheios de palavras em inglês

 

Por Rodrigo Iafelice dos Santos *

Em pouco mais de 20 anos como empreendedor, executivo e apaixonado pelo agronegócio, poucos desafios me levaram a pensar e agir de maneira diferente (e a mudar a forma de agir várias vezes, em curtíssimo espaço de tempo) como o que tenho enfrentado nos últimos doze meses após me tornar mentor, conselheiro e investidor em startups (empresas com perfil inovador e em estágio inicial de desenvolvimento) de AgTech ou “Agricultura Digital”.

Sendo natural de Mato Grosso e tendo investido muito tempo com empreendedores brasileiros e internacionais interessados fortemente no agro, fica evidente a distância abissal entre o mundo real e as soluções criadas por muitos deles.

Fuja do discurso vazio

O primeiro desafio, com enorme frequência, é o de tentar detalhar aos empreendedores, em sua maioria jovens urbanos com excelente formação acadêmica e técnica e elevado nível cultural, que o cliente agro é, acima de tudo, especial por ser absurdamente simples.

Não se vende uma solução, produto ou serviço para um cliente do agronegócio, em especial a um produtor rural (independentemente de tamanho, perfil ou localização geográfica), simplesmente porque ele é inovador ou incrível. Também não funciona o discurso cheio de palavras em inglês frequentemente visto em rodinhas de jovens bem formados nas grandes cidades explicando porque o “business” foi concluído. Esqueçam.

O produtor rural, por mais sofisticado que seja, sempre valorizou o que é simples e por maior que seja hoje, continua valorizando. Vender serviços ou produtos se resume a mostrar de forma clara, sem rodeios, quanto o produtor economizará em dólares ou reais por hectare ou, como alternativa, quanto produzirá mais (seja em sacas de soja por hectare, toneladas de cana de açúcar, sacas de milho/café por hectare, caixas de laranja, arrobas de carne ou qualquer outra cultura por este empreendida em suas terras). Qualquer outro discurso ou ferramenta de venda será, ao fim e ao cabo, em vão.

E não se enganem: produtores rurais são extremamente inteligentes (técnica e emocionalmente) e raramente dirão “não” antes de ouvir uma proposta atentamente e, em seguida, responder que lhe pareceu interessante e que vão “pensar”.

Soluções reais

Isso frequentemente gera expectativas equivocadas por parte de muitos empreendedores e posterior frustração. Cabe a esses empreendedores e jovens (ou nem tão jovens…) empresários analisar previa e exaustivamente se sua solução, produto ou serviço gera de fato benefícios rapidamente perceptíveis ao seu cliente.

Valor real e valor percebido devem estar mais alinhados que nunca no caso do agronegócio, pois prometer e não entregar, neste setor, é frequentemente sinônimo de suicídio empresarial já que na maioria absoluta das vezes, uma empresa tem apenas uma chance de impressionar e de fato vender.

Mesmo que uma segunda chance lhes seja concedida por alguns raros clientes, o caminho fica automaticamente mais caro e longo, algo que qualquer empresa nova e com parcos recursos deseja e precisa evitar. E o melhor de tudo, é possível e relativamente simples.

Testes com o produtor rural

Testem, com produtores rurais diretamente, inúmeras vezes, tanto o produto ou serviço, quanto o discurso de vendas e só depois de exaustivamente testados, comecem a vender de fato ao mercado. Outro caminho que frequentemente ajuda é se aliar a alguém que tenha real experiência no agronegócio.

Mas cuidado: muitos anos no agronegócio como executivo de vendas (de defensivos, fertilizantes, sementes, trading ou qualquer outro) não significam em absoluto sucesso em um ambiente dinâmico, inovador, desafiador e instável como o de uma startup. Escolham, como sugestão, alguém com perfil empreendedor e disposto à tomada de riscos, mesmo que este tenha menos experiência.

Em suma, menos fumaça, mais simplicidade e valor real. É isso que funciona e vende no agro.

  • Rodrigo Iafelice é empreendedor com mais de 20 anos de experiência no agronegócio internacional em mais de 45 países, mentor de startups AgTech, investidor, conselheiro e “doente” por empreendedorismo e inovação.