Por que o MIT desligou o “computador da comida” do OpenAg
Projeto que ganhou fama mundial foi encerrado depois de investigação da entidade
Durante vários anos o pesquisador Caleb Harper, conquistou mentes, plateias e recursos ao redor do mundo com sua proposta de construir uma espécie de Internet da Comida. Sua ideia era instalar uma rede aberta e colaborativa de “computadores” capazes de simular ambientes ideais para a produção de alimentos e compartilhar, em tempo real, informações sobre essa produção para cientistas em qualquer local do mundo. Liderado por ele, o projeto Open Agriculture Initiative (ou apenas OpenAg, como ficou conhecido) transformou-se em uma das mais vistosas estrelas da constelação do Media Lab do Massachussets Institute of Technology (MIT), uma das mecas da inovação global, e ganhou destaque inclusive no Brasil — em 2018, ele foi uma das principais atrações da HSM Expo e, durante sua estada em São Paulo, concedeu uma entrevista exclusiva à Plant Project. Empresas multinacionais como Ferrero e Target estavam entre os financiadores das pesquisas realizadas por ele.
A ideia, que prometia provocar uma revolução na produção agrícola, voltou às vitrines agora por outro motivo. Quase todas as atividades do OpenAg foram suspensas no final de outubro pelo MIT, após um artigo publicado pelo The New York Times apontar uma série de irregularidades cometidas por Harper e sua equipe. As acusações contra o projeto vão desde desonestidade acadêmica até a emissão de resíduos impróprios pelos equipamentos produzidos nos seus laboratórios.
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Os chamados “food computers” desenvolvidos pelo OpenAg são caixas do tamanho de fornos de microondas dotadas de alta tecnologia, que permitiam a seus usuários programar ambientes propícios ao cultivo de plantas sem o uso de solo. Versões domésticas e destinadas a escolas foram produzidas e espalhadas para testes em vários países do mundo. Além disso, o time de Harper construiu unidades maiores em contêineres,chamads de “Servidores de Comida” destinados a funcionar como verdadeiras fazendas urbanas, instaladas na área externa do campus do MIT. “Como um projeto open source, acreditamos que quanto mais computadores da comida nós construirmos, mais dados teremos para alterarmos radicalmente o futuro da comida”, pregava ele em texto publicado no site do OpenAg.
Foi bem perto de seu laboratório, entretanto, que se verificou uma das irregularidades do projeto: os resíduos líquidos emilinados pelo “servidor de comida” instalado no MIT foram considerados impróprios pelas autoridades locais e indicaram que nem tudo o que se afirmava acontecer ali dentro estava de acordo. Desde agosto passado, o Media Lab foi alvo de uma série de investigações relacionadas à ação de um de seus principais financiadores, o bilionário Jeffrey Epstein, condenado por abuso sexual. Epstein suicidou-se na prisão, mas a apuração de irregularidades cometidas por ele em várias áreas levou o diretor do Media Lab, Joichi Ito, a renunciar após a descoberta de que ele tentava acobertar acordos irregulares feitos com o bilionário.
Os problemas para o OpenAg começaram em setembro, quando uma denúncia da ong ProPublica e da rádio WBUR, de Boston, apontou que os resíduos das fazendas-contêineres continham 20 vezes mais nitrogênio do que o permitido pela legislação local. Mais tarde, o NYTimes apontou que, ao tratar dos resultados do OpenAg, Harper “fez decalarações exageradas ou falsas para os patrocinadores corporativos do projeto ou mesmo em palestras e entrevistas com a imprensa”.
Até mesmo pesquisadores da equipe de Harper passaram a questionar a efetividade dos computadores de comida. Um deles afirmou que chegou a comprar plantas em lojas para preparar o cenário para fotos dos laboratórios e que muitos das unidades enviadas a escolas americanas simplesmente não funcionavam.
As denúncias que atingiram o OpenAg geraram efeitos colaterais também fora do MIT. Após a sua divulgação, investidores e cientistas passaram a questionar a ausência de informações mais precisas sobre o emergente setor de agricultura indoor, que tem recebido bilhões de dólares para financiar sua expansão, mas cujos impactos ambientais e sustentabilidade econômica ainda não são bem conhecidos. A ideia por trás dos computadores de comida ainda não foi totalmente afastada, mas por enquanto não estará mais no cardápio do futuro da agricultura.