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CONTEÚDO ESPECIAL: ENTREVISTA HUDSON SILVEIRA

Trazemos para você a entrevista completa com o Hudson Silveira, que nos ajudou a entender melhor os assuntos e tirou nossas dúvidas da matéria “Carne cultivada e o futuro da produção de alimentos

 

Hudson Carvalho Silveira é formado em Engenharia Química Industrial com MBA em Administração do Agronegócio pela Fundace-SP de Ribeirão Preto (SP) e conselheiro de Administração certificado pelo IBGC-SP. Possui experiência de mais de 25 anos no setor de indústria de alimentos, comércio exterior, varejo, e-commerce e logística, em empresas como Meatfinder-China, JBS-USA, Walmart Brasil, Unifrango-Integra e Fast&Food. Atualmente, trabalha também como consultor internacional em agronegócio pela Herefordshire Ltda. e é COO e Diretor Comercial da Greenrock Commodities ltd- Londres para América Latina e Portugal.

 

 

StartAgro – A cadeia produtiva da pecuária é realmente muito poluidora? Qual é a principal fonte de poluição da cadeia? O que poderia ser feito para que essa poluição fosse mitigada?

Hudson – A cadeia de produção do agro tem suas particularidades com relação aos impactos no meio ambiente que ela gerava e que gera agora. Algumas escolhas muito acertadas pela cadeia vêm dando frutos muito importantes hoje. Com foco na atividade e nos recursos mais importantes; o aumento de produtividade que a bovinocultura vem alcançando nestes últimos 15 anos; tivemos uma redução significativa na área necessária para se criar um animal, no mesmo peso ideal de abate que a 15 anos atrás. Isto sem usar hormônios de crescimento ou qualquer outro processo não natural em seu processo de cria, recria e engorda. Seleção genética, inseminação artificial, uso de pastagens mais bem preparadas, com uso de gramíneas mais adequadas, fazem do nelore natural o símbolo desta conquista. Também o aumento da atividade de confinamento ajudou a melhorar esta relação peso x área de produção, usando rações balanceadas com uso de cereais e subprodutos de outras atividades do agro, como por exemplo, do esmagamento de soja, da produção de suco de laranja concentrado e até da produção de cerveja; diminuindo o impacto inicial da atividade agropecuária no campo e diminuindo o impacto de outras atividades citadas acima. O mesmo aconteceu com as aves e suínos, de forma um pouco mais tecnológica, mas com o mesmo resultado, mais carne por metro quadrado por tempo. Usar menos áreas na criação, significa dizer que se libera terras cultiváveis para uma maior produção agrícola de alimentos, importante para reduzir a fome no mundo. Se olharmos de uma forma mais ampla, o que os bovinos ajudam a retirar do meio ambiente versus o que eles adicionam ao meio ambiente, fazendo este balanço material temos que mais bovinos, consomem mais água tanto em sua criação como no abate e processamento competindo com nós humanos por um recurso cada vez mais escasso; temos gases sendo emitidos seja dióxido de carbono da respiração, seja do metano arroto, flatulência e da fermentação anaeróbica do estrume, entre outros que podem gerar de alguma forma um aumento de gases de efeito estufa citando alguns exemplos. Mas não podemos deixar de observar que, o mesmo estrume contribui para geração de metano que pode ser usado como um combustível mais limpo que o carvão ou derivados de petróleo para aquecimento ou geração de energia. Por exemplo, seus subprodutos que são usados como rações em avicultura e piscicultura, reduzindo a necessidade de produção de insumos para este fim, e assim o círculo vai rodando. Claro que se falar hoje de metano como combustível para geração de energia elétrica, por exemplo, onde temos muito desenvolvido e crescente a geração de energia via solar e eólica, que são mais limpas e menos poluidoras ao meio ambiente do que pela queima do metano, então podemos resolver a emissão de metano usando tecnologias de rações com biochar, que sequestram este metano e depois o fixam no solo, reduzindo assim a pegada de carbono dos bovinos. A implementação do sistema de integração Pecuária, Lavoura, Floresta, desenvolvido pela Embrapa para otimizar estas cadeias, gerando menor pegada de carbono é outra excelente alternativa. Estamos em pleno processo evolutivo da bovinocultura natural e sustentável no Brasil.

Estes são só alguns pontos que já estão em pleno andamento e evolução, que mitigam em muito a importante cadeia de produção de bovinos no Brasil e tenho certeza que enquanto o leitor aprecia este texto, novas descobertas estão para serem lançadas neste sentido.

 

StartAgro – A carne cultivada tem o mesmo valor nutricional que a carne produzida no sistema convencional? E quanto às características sensoriais, há diferenças?

Quando vamos falar destes novos produtos, tão revolucionários e tecnológicos, já esbarramos com controvérsia logo na primeira palavra, carne. Muitos não querem nem chamar o equivalente a carne produzida em laboratório de carne. O produto é tão inovador que carece de um termo adequando para ser nomeado. Por um lado, os tradicionais produtores de carne, com o boi, o pasto, o criador, o abatedor, querem se diferenciar desta novidade. Eles têm os motivos deles. Em respeito ao consumidor existe o Codex Alimentarius, que é a bíblia dos alimentos no mundo, criado pela FAO na década de 60 e que estabelece a identidade de cada tipo de alimento produzido no mundo para proteger consumidores e regular o comércio de forma justa. Vamos continuar aqui chamando-a de carne cultivada para não confundir nosso leitor, e deixar a controvérsia sobre como chamá-la para um outro momento.

A carne cultivada pode ser obtida de duas formas basicamente, através de células de bovinos ou a base de plantas que simulem as características da carne convencional. No começo até se usou muito as células animais, e em algumas empresas ainda se usa, mas o grande objetivo dos produtores da carne cultivada é não ter a dependência de uma cadeia animal para produzi-la. Na essência o que se está buscando com isto é primeiramente simular a textura, sabor, suculência de um bife e como consequência, eliminar os custos e tempo de se produzir um bezerro, criar, engordar, abater e desossar para ter o mesmo bife. Por isso cria-se a carne em uma indústria, para se ter a mesma sensação de comer um bife, com ingredientes a base de plantas e, ao invés de se esperar anos para ter este bife, como ele está sendo obtido em uma fábrica e não pelas regras da natureza, se obtém este bife em horas ao invés de anos. O objetivo é eliminar boa parte de impacto da cadeia de produção bovina da natureza e obter um produto equivalente ou o mais parecido possível com a carne convencional. Inclusive com redução de custos posteriormente. O público alvo são os vegetarianos e veganos inicialmente que não consomem carne e se daria a oportunidade de poder ter a mesma experiência dos carnívoros, mas mantendo as suas convicções ou religiosidade. Como falamos de um produto que é fabricado em uma indústria, ou seja, é montado, teoricamente pode-se conseguir níveis de proteína ou outros nutrientes maiores do que o da carne convencional. Já existem produtos com esta finalidade disponível para os clientes. Empresas como Impossible Foods, Beyond Meat, ambas norte-americanas, Meta Foods no Brasil já possuem produtos sendo comercializados pelo mundo. Em relação parte sensorial, eu não posso afirmar que são parecidas. Eu testei algumas marcas e minha opinião, não é a melhor. Os produtos no mercado hoje, ainda não trazem a sensação de se estar comendo uma carne. Frisando que experimentei algumas marcas apenas, e na forma de hamburgers, ou seja, um disco de produto emulando um hamburger. Não serei deselegante de citar as experiências ruins, mas posso citar que o produto da Meta Foods, que apesar de não ter sabor de carne, tinha uma textura muito interessante, bem como uma boa suculência. Acredito que se fizerem o sabor carne, pode ser que a experiência seja bem melhor. Os fabricantes continuam no processo de desenvolvimento, com tecnologias cada vez mais sofisticadas, para entregar esta experiência de carne a mais real possível para os consumidores e acredito que possam chegar sim, muito próximos. Recentemente, no mês de agosto (2021), uma equipe de cientistas da Universidade de Osaka no Japão, conseguiram através do processo de impressão em 3D, produzir um bife de Wagyu. A raça de bovinos Wagyu, de origem japonesa, é a carne mais cara do mundo, devido a seu sabor, textura e produção. É uma carne extremamente entremeada de gordura, o que confere características peculiares. Os cientistas fizeram o bife usando células troco de bovinos

 

StartAgro – Quais parâmetros deveriam ser considerados para regulamentar carnes cultivadas no Brasil? A carne de laboratório é segura?

Hudson – Como citei na questão passada, a começar pelo nome. Qual o nome deve ser concedido a este produto semelhante a carne, que tem estruturas totalmente distintas da composição de um músculo animal (nome técnico para carne) de actina, miosina, colágeno, etc? Pelo menos os de base vegetal são assim. E os que usam células animais, poderão ser chamados de carne, como a obtida da forma tradicional?

Dado a singularidade do produto, não há uma regulamentação que se encaixa perfeitamente para se regular desde a nomenclatura, cuidados na fabricação, ingredientes coadjuvantes a proteína vegetal, entre outros. Recentemente conversando com um dos fabricantes, justamente esta pergunta surgiu: por falta de uma regulamentação específica, qual usar? Hoje se usa a regulamentação dos produtos vegetais, já que a base é esta. Se não há uso de produtos de origem animal, no caso do Brasil, o produto fica fora da regulamentação do SIF, por exemplo. Segue-se uma regulamentação mais simples para produzir, registrar e comercializar os produtos. Se o produto parte de uma base de origem animal, aí segue-se toda a parte de regulamentação em vigor hoje para a indústria de derivados de carne. Lembrando que os produtos necessitam de um registro para a venda no Brasil ou no exterior e para se obter o registro deve-se descrever o processo industrial, os ingredientes, embalagens etc. Algumas empresas dominam determinadas tecnologias para produzir insumos importantes na fabricação da carne cultivada ou sintética, desde leveduras, enzimas, extratos vegetais, processos biomoleculares etc. Não sabemos até que ponto vamos conhecer bem o que estamos colocando no prato, ao final do dia. Portanto, a necessidade ou não de uma regulamentação específica, ainda terá de ser analisado por cientistas, autoridades e a sociedade civil organizada. Todos os lados devem opinar. Existe também mais uma barreira cultural, dos consumidores, para consumir um produto com estas características.

A engenharia genética, as novas tecnologias de fabricação, estão aí para nos ajudar a melhor nos alimentarmos, e também para fazer com que os alimentos cheguem aos menos favorecidos, já que está cada vez mais difícil para a carne tradicional poder chegar a mesa de todos, principalmente a estes que passam fome no mundo.